Por Lucas Portilho
Estava atualizando minha aula de anatomofisiologia da pele quando me deu estalo de lucidez misturado com perplexidade frente ao que eu estava vendo.
Centenas de slides descrevendo o famoso “turnover” ou renovação celular da epiderme e a função da pele como um órgão protetor.
O básico todos nós sabemos, que a pele nos protege das agressões externas, que não são nem um pouco inofensivas. Radiação ionizante capaz de matar um ser humano, poluentes criados pelo homem com capacidade de destruir a homeostase cutânea, seres microscópicos que invadem nossa pele levando a processos inflamatórios são alguns dos inimigos da pele.
Mas o que me deixou espantado, foi que apesar de ser um órgão extremamente resistente e resiliente, ele tem vida própria. Consegue se mover de baixo para cima, garantindo um exército de células que se replicam e ainda por cima sabem exatamente quando devem morrer pra nos proteger.
A complexidade da diferenciação
O famoso turnover... fácil de entender, a célula sai da camada basal, vai se diferenciando até descamar, mas ao olharmos mais de perto, vemos centenas de integrinas, desmossomas, e-caderinas, filamentos de queratina, actina, miosina, microtúbulos, receptores de membrana como PAR-3, EGFR e tudo isso interligado através de proteínas não menos importantes como plectina, BPAG1, talina, kindilina, migfilina, vinculina, paxillin e tantas outras.
Se você nunca ouviu falar sobre esses nomes acima, saiba que qualquer alteração nesses marcadores, teremos problemas de hiperqueratinização ou defeito na barreira cutânea.
A divisão
As células que se dividem, ou seja, fazem mitose são aquelas que estão na camada basal. São chamadas de células tronco (stem cells). Elas podem dar origem a duas novas stem cells ou podem dar origem a uma stem cell e outra célula sem ou baixa capacidade de realizar mitose. Damos o nome dessa última de célula amplificadora transitória, que será uma célula que vai parar de se dividir, mas tem uma missão tão importante quanto, ela vai começar o processo de diferenciação, ou seja, vai migrando da camada basal, passando pela camada espinhosa, depois pela granulosa, onde vai liberar copos lamelares, importantes para prover as ceramidas, ácidos graxos e colesterol que nossa epiderme necessita para evitar a perda excessiva de água. Finalmente morre quando chega na camada córnea, onde vai servir de escudo. Toda essa jornada dura 28-50 dias até que seu ciclo chegue o fim e ela se desprenda, tendo servido bravamente como queratinócito.
Improvisação
Na camada basal, as queratinas mais expressas são a K5 e K14, nas camadas supra basais as queratinas mais expressas são a K1 e K10. Onde precisamos de mais proteção, como as palmas das mãos e plantas dos pés a queratina mais expressa é a K9, para prover uma camada mais rígida, chamada de lúcida.
E quando ocorre um dano na pele? Então temos mais uma maravilha acontecendo. Uma rápida adaptação onde novas proteínas são sintetizadas, como as queratinas K6, K16 e K17, são bastante expressas nas células da camada basal em casos de feridas.
Dinâmico e ao mesmo tempo protetor
Pense em construir um muro. Simples, correto?
Agora faça os tijolos que estão na base do muro começarem a subir de forma orgânica. Impossível, eu sei, mas na pele é basicamente isso que acontece. uma biologia perfeita de reposição de células, um sistema dinâmico, microscopicamente em movimento, mas ao mesmo tempo, dando a proteção que precisamos.
Continuo estudando, pele, produtos, ativos e ligando as pontas. Espero um dia entender como tudo isso foi elaborado, porque o engenheiro por trás de tudo isso teve habilidades que vão além da nossa compreensão.
E olha que nem falei nada sobre a derme... mas deixa essa pra outro artigo.
Abraços!
Lucas Portilho